sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

No Portão

Eles já se olharam com aquele olhar de quem sabe o que o outro quer dizer a alguns minutos, ela finge que não sabe o que os olhos dele querem dizer e que não sabe que já é tarde. Ele tem que pegar o ônibus, ir ao centro da cidade, ir para casa.

Ela sente que o domingo acabou e em algumas horas terá de levantar da cama que ainda nem deitou e correr em mais um dia de trabalho.

Ele procura o olhar dela novamente e como não consegue dissuadi-la recorre ao famoso cutucão no braço, ela olha e faz uma careta para registrar sua reprovação, não a ele, nem ao relógio digital do celular que acabou de consultar. Ela reprova a mania deste abstrato inimigo que não lhe dá uma mínima trégua, o tempo.

Ela se levanta e dá aquele sorriso sociável pros pais e ele começa a se despedir deles e ambos descem as escadas.

Eles se olham, agora é aquele olhar do quais muitas estações já presenciaram ao ver os soldados que embarcavam com esperanças vãs de retornarem aos seus lares de vilarejos inocentes após a guerra.

Eles se amam com aquele olhar que já é um velho amigo dos namorados, destes namorados.

Eles se amam com o olhar.

Ela o ama mais quando ele se vai? Ela o ama mais quando está ao seu lado? Ela o ama mais quando está na intersecção da ausência e da presença?

Impossível dizer!

Ele deixa de olha-la para fechar seus olhos simultaneamente enquanto abre sua boca que a beija com desejo de devorá-la.

Uma despedida leva minutos, mas as sensações são intensas como a eternidade.

Este é o momento no qual o inimigo abstrato do tempo perde mais uma vez. Então ele se vai, ela o olha mais uma vez através do véu do portão e depois do metódico assobio de despedida, suspira e vai ao encontro do seu ritual de preparação do sono turbulento que antecede a segunda-feira.

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An-han...